Japonização e o novo neutro da taxa de juros – Valor 24 de setembro de 2019

Por André Senna Duarte

Japonização e o novo neutro da taxa de juros
Fenômeno decorre de ambiente macroeconômico de baixo crescimento, pressões inflacionárias contidas e juros reais deprimidos provocado pelos desafios demográficos decorrentes do envelhecimento populacional

 

Após a crise financeira de 2008 e as sucessivas rodadas de afrouxamento monetário promovidas pelos bancos centrais, duas linhas de pensamento opostas moldaram as discussões em termos de perspectivas para a economia global.

A primeira argumentava que a atuação dos BCs iria gerar crescimento robusto, inflação e valorização de ativos. Neste caso, o deslocamento dos juros para patamares distantes do neutro criaria desequilíbrios em diversos mercados. Como não seria possível ficar fora do equilíbrio permanentemente, quando os estímulos fossem removidos, uma nova crise poderia ocorrer.

Porém, outra linha de pensamento divergia. Com base na experiência do Japão, o estímulo monetário introduzido seria mais modesto. Neste caso, teria havido uma queda estrutural dos juros neutros e os BCs não teriam sido proativos, mas sim reativos. Forças estruturais manteriam o crescimento e a inflação baixos. Neste contexto, posteriormente, os BCs teriam dificuldades em apertar a política monetária.

Até agora, é possível concluir que a chamada japonização mostra-se a hipótese mais adequada após anos de baixo crescimento e inflação aquém das metas. Ademais, hoje US$ 15 trilhões em títulos têm juros negativos. Com exceção dos EUA, todos os títulos dos países desenvolvidos estão com juros reais negativos.

Desta forma, o que é a japonização da macroeconomia? No Japão, após a euforia da década de 1980, a década subsequente foi afligida por três recessões e problemas de insolvência generalizados. Neste contexto, o foco das autoridades foi a atuação tradicional de introduzir estímulo monetário e fiscal sempre que a economia desaquecia.

Como a economia não mostrava desempenho satisfatório, a análise econômica se dividia, à época, entre os que entendiam que os estímulos não eram suficientemente fortes e aqueles que acreditavam que os problemas com os bancos e as “empresas zumbis” estariam prejudicando o crescimento.

Entretanto, digno de nota, desde 2000 o crescimento do PIB per capita foi razoável. Ajustado pelos trabalhadores em idade ativa, o crescimento per capita no Japão foi superior a outros países: 1,4% ao ano contra 1,0% nos EUA. Mesmo assim, os juros básicos seguiram perto de zero. Algo faltava no diagnóstico.

Com o tempo, maior atenção foi dada à demografia. O início da década de 1990 também representou o fim do bônus demográfico. Segundo o BC japonês, desde 1990, enquanto o produto potencial subiu 32%, a queda no fator de produção do trabalho impactou o potencial negativamente em 7,5%. Estudos mostram que o envelhecimento da população tem tido impacto negativo sobre a inflação.

Nessa direção, artigos sugerem importante efeito da demografia sobre os juros reais. Por exemplo, Sudo e Takizuka estimam que nos últimos 50 anos, a taxa de juros real neutra caiu 640 pontos base, sendo que 43% podem ser explicados pela demografia. Assim, é possível definir que a japonização é um ambiente macroeconômico de baixo crescimento, pressões inflacionárias contidas e juros reais deprimidos provocado pelos desafios demográficos decorrentes do envelhecimento populacional.

Observando-se a dinâmica populacional das principais economias, não é difícil concluir sobre os riscos da  japonização global. A demografia da Europa é similar à do Japão da década de 1990, com a população perto da estagnação. Os idosos no Japão atingiram 10% em 1985 e 20% em 2005. Na China, esses percentuais serão atingidos em 2022 e 2038. Nos EUA, a transição é mais suave, mas como a imigração em breve se tornará o maior vetor de crescimento populacional, dependerá da política imigratória.

A teoria econômica clássica defende que o valor de consumir hoje é sempre superior ao de consumir amanhã, implicando que, para substituir consumo no tempo, a taxa de juros deve ser positiva. Porém, com a elevação da expectativa de vida e a incerteza quanto ao período de inatividade, é possível que o oposto seja válido. Nesta nova dinâmica, as pessoas estariam dispostas a abrir mão de consumo hoje em troca da certeza de consumir no futuro, mesmo que menos. Por isso ativos de baixo risco teriam juros reais negativos. É este novo equilíbrio que cada vez mais se “precifica” no mercado.

Por fim, vale o alerta de que não apenas a demografia importa para a taxa de juros neutra. Outras questões como produtividade e avanços tecnológicos que afetem o preço relativo do capital fixo também influenciam. Porém, a demografia tem sido apontada como a principal explicação para a redução sistêmica da taxa de juros ao longo das últimas décadas. Como a dinâmica demográfica é algo com certa previsibilidade, a tendência de juros baixos ou negativos reais provavelmente continuará nos anos a seguir.

André Senna Duarte é economista da Truxt Investimentos, mestre em economia pela PUC-Rio e advogado

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