Gestoras fazem treinamento ‘antiviés’ comportamental – Valor 10 de junho de 2019

Por Adriana Cotias | De São Paulo

Muito se fala do potencial de estragos dos vieses comportamentais na tomada de decisão dos investidores. Só que gestores de recursos profissionais também estão sujeitos a esse tipo de armadilha, com a diferença que lidam com dinheiro de terceiros.

Para não sucumbir a essas ciladas cognitivas, inerentes a qualquer ser humano, as gestoras de recursos têm estudado o tema e buscado formas de driblar essas tendências que podem causar perdas às carteiras dos fundos.

Na Verde Asset Management, por exemplo, há sempre analistas destacados para destruir uma tese de investimento, contou Artur Wichmann, gestor de estratégia de ações globais da casa ao participar de evento sobre finanças comportamentais, promovido pela Brainvest, na semana passada.

“Isso é para não ter aquele tipo de pensamento em manada”, disse, referindo-se à tendência de num mesmo grupo as pessoas convergirem para um certo consenso, porque estão avaliando os mesmos dados e sujeitas a influências parecidas. “Formamos dois times, um deles defende a ideia e o outro a ideia contrária. Dá uma pancadaria boa, mas a decisão é melhor”, disse Wichmann. O que está por trás desse embate intelectual é que num grupo dói mais ter a opinião divergente, então é preciso estimular o contraditório.

Outro comportamento comum que a Verde procura evitar é a tendência humana de dar peso maior a dados que justifiquem uma posição que deu frutos no mercado a seu favor. O esforço é não confundir resultados com um processo sólido.

Por essa razão, no seu “treinamento anti-viés”, os gestores e analistas da Verde fazem um diário em que documentam qualquer decisão de investimento. Só depois confrontam com a realidade. Conseguem assim ter uma leitura mais precisa de erros e acertos, em vez de ficar à mercê da memória seletiva.

Outro exercício que entra na escolha dos ativos pela Verde é a chamada “análise pré-mortem”, em que em vez de questionar o analista sobre o que pode dar errado na compra de determinada ação, perguntar o que levou o papel a ter caído “x%”, numa situação hipotética que olha pelo retrovisor. “Você muda o incentivo para mostrar a probabilidade de as coisas darem errado.”

Bruno Garcia, executivo-chefe de investimentos da Truxt Investimentos, disse que é preciso aprender a lidar com os vieses humanos e que é possível até se valer disso para arbitrar preços.

“A ancoragem é importante. Não é porque uma ação caiu 10% que ela está necessariamente barata. A tendência é as pessoas comprarem e muitas vezes, quando vemos um ‘trigger’ que justificaria uma queda de 30%, aproveitamos o viés [do mercado] para abrir uma venda”, afirmou. “Ser mais frio, fazer conta e se ater aos números ajuda.”

Truxt tenta arbitrar preços dos ativos quando identifica comportamentos de manada injustificáveis

Para não ceder ao sentimento de aversão a perdas, uma prática que a Truxt adota é tentar esquecer o preço de compra da ação para não ser influenciada por uma onda de vendas depois de um resultado trimestral ruim, em contraste a uma modelagem feita para o longo prazo. “O que importa é a cota, que é a somatória de todas as decisões que fez. Muitas vezes você vê a ação caindo, os investidores mudando as projeções para os próximos cinco anos, isso assusta. A gente entende, mas tenta ir contra a corrente”, afirmou Garcia.

O excesso de confiança é outra tendência que os profissionais da Truxt procuram se esquivar. Por isso, Garcia diz ser contra gestor ter conta no Twitter ou dar entrevistas justificando por que acha que determinada ação vai subir. O seu entendimento é que após estar exposto fica mais difícil para o profissional mudar de ideia, zerar as posições.

O viés da ganância também pode virar um comportamento de manada e o gestor se sentir inclinado a comprar determinado ativo porque há um grande fluxo de recursos para o papel. “Dói tanto não ter que você acaba sucumbindo, indo contra as convicções e análises só para não ter aquele sentimento de que todo mundo está ganhando e você não. É mais fácil ir com a manada e errar com o grupo”, afirmou Garcia.

Hegler Horta, sócio-diretor da Kapitalo, ilustrou o caso de um investidor profissional que procurou a gestora meses atrás, com a ideia pré-concebida de aplicar no fundo Zeta, o multimercado mais alavancado da casa (volatilidade de 12%), que vinha de sucessivos bons resultados. Ciente do perfil mais conservador do cliente, os gestores aconselharam que o investimento fosse feito na carteira de menor volatilidade, o Kappa (7%), mas não houve acordo.

“No mês seguinte, o fundo [Zeta] caiu 5% e o investidor resgatou tudo. Tínhamos explicado os riscos, que ninguém acerta todos os meses…” A perda propriamente dita só não se concretizou porque há uma carência de 60 dias, após o pedido de resgate, até a conversão da cota em dinheiro. Houve tempo para o fundo se recuperar e a remuneração ficar próxima do CDI.

Cientes de todos os vieses que podem também afetar os gestores, a Kapitalo controla muito o tamanho dos fundos, abrindo-os para captação uma vez por ano. O orçamento de risco das 14 mesas é balanceado periodicamente, conforme os resultados. “Isso é bom porque a gente atrai o dinheiro do investidor que nos acompanha há mais tempo, não o desavisado.”

Nas suas interações com os investidores, Dennis Kac, sócio da Brainvest, disse se deparar com uma série de fatores emocionais que fogem à racionalidade. A aversão a perda, por exemplo, faz com que a tendência seja que carreguem por mais tempo as posições perdedoras do que as ganhadoras, mesmo que o risco não faça mais sentido.

O “home bias” é outra característica comum, que faz com que mesmo quando aplicam parte dos seus recursos fora do Brasil, os clientes acabem comprando ações e títulos de dívida brasileiros. A contabilidade mental, por sua vez, faz com que analisem o retorno dos ativos individualmente em lugar da carteira como um todo.

“Olhar linha por linha não é a maneira ótima de se avaliar. Pode ter investidor evitando ativos de grande oscilação mesmo que dentro da composição ele diminua o risco”, afirmou Kac. Um bom exemplo, citou, são os fundos quantitativos, que costumam ter volatilidade alta quando analisados individualmente, mas acabam funcionando como um paraquedas quando o mercado todo vai mal.