Gestor de recursos une filantropia a investimentos -Valor 26 de junho de 2019

Por Adriana Cotias e Juliana Schincariol

Buscar retorno para o patrimônio financeiro do cotista e, por tabela, ajudar causas sociais. Esse é o propósito de gestores de recursos que resolveram unir filantropia com o mundo dos investimentos.

O mais novo nome a encampar uma estratégia com tal combinação é a Equitas, casa especializada em renda variável, que criou um novo fundo de ações que vai replicar as posições do Selection, portfólio que existe desde 2010. A diferença é que as taxas de administração e de performance serão destinadas ao Colégio Mão Amiga, instituição de ensino localizada no Jardim Santa Julia, comunidade carente que fica a 12 quilômetros do centro de Itapecerica da Serra (SP).

A conexão de um projeto social que fica em um dos maiores bolsões periféricos da região metropolitana com uma gestora da Vila Olímpia, na região nobre da capital, é mais um exemplo de filantropia que tenta cair nas graças do investidor. Nesse modelo, o caso mais conhecido no Brasil é o do multimercado VRB, fundo de fundos que existe desde 2016 e aplica em gestoras afamadas, doando a taxa de administração de 1%, após os custos, para projetos no Rio e em São Paulo.

No mesmo ano, a italiana Azimut criou o AZ Quest Azimut Impacto, um multimercado em que dois terços da taxa de administração, de 1%, são direcionados para aceleradoras e ONGs que investem em empresas que geram transformação social.

No caso da Equitas, tanto os 2% que o investidor pagará em taxa de administração, quanto os 20% de performance (sobre o que exceder o Ibovespa) vão para o Colégio Mão Amiga. O objetivo, segundo Luis Felipe Amaral, sócio-diretor da gestora, é levantar cerca de R$ 100 milhões com a nova carteira. No conjunto, a casa tem hoje R$ 850 milhões.

Batizado como Equitas Selection Mão Amiga, o novo fundo começou a ser distribuído na sexta-feira pelo BTG Pactual Digital acatando aplicações a partir de R$ 5 mil. “Isso vai trazer um fluxo previsível de receita para cobrir parte importante do projeto e dar capacidade de planejamento”, diz Amaral.

Desde que foi lançado, em 2010, o fundo original acumula retorno de 488%, em comparação a 61,6% do Ibovespa.

Ao juntar filantropia com o mercado de capitais na aliança com a Equitas, André Covre, conselheiro executivo do Mão Amiga – que foi executivo-chefe de finanças e de relações com investidores da Ultrapar e presidente da Extrafarma – espera estimular outras gestoras de recursos a seguirem o mesmo caminho. Com os recursos doados pelo fundo, a ideia é não só abastecer a unidade atual, mas também ampliar o projeto. “Ao ter um recurso que se torna recorrente será possível finalizar o Mão Amiga atual e pensar numa segunda unidade, quiçá outras.”

O orçamento anual do Mão Amiga é da ordem de R$ 4 milhões. A escola foi fundada há 13 anos com 48 crianças do ensino infantil e hoje reúne quase 600 alunos até o fim do ensino médio. “O projeto nasceu com o objetivo de levar educação de qualidade à população carente local e quebrar o ciclo da pobreza”, diz Juliana Malheiro Plaster, diretora da ONG responsável pela gestão.

Os recursos são supridos por um programa de padrinhos, doações diretas, patrocínio de empresas e contribuição de famílias de alunos que podem arcar com um pedaço do custo. A escola também recorre ao Fundeb, principal mecanismo de financiamento da educação básica.

Por enquanto, o Equitas Selection Mão Amiga está disponível apenas no BTG Pactual Digital, mas a ideia, segundo Amaral, é distribuir a carteira em outras plataformas com que a gestora já tem relacionamento na oferta do seu fundo principal.

O VRB Multimercado viu seu número de cotistas aumentar em mais de 10 vezes a 330 investidores, desde que, no fim do ano passado, a aplicação mínima caiu para R$ 10 mil e passou a integrar a lista de fundos da XP – mantendo-se a oferta ao investidor qualificado, com mais de R$ 1 milhão em patrimônio financeiro. Antes disso, dava acesso principalmente para os clientes atendidos pelos escritórios de gestão de fortunas, que tivessem dispostos a investir pelo menos R$ 300 mil.

Além de dar entrada para quem quer aplicar nos maiores gestores do país – e que têm alguns dos seus principais fundos fechados para captação -, o portfólio combina ação social. Com apoio inicial do megainvestidor George Soros, o VRB reúne gestoras como Verde, Kapitalo, SPX, Truxt, Oceana e Gávea.

A maior parte do patrimônio, de pouco mais de R$ 230 milhões, está em cotas de fundos macro e de ações, além de contar com uma gestão ativa em inflação. O Verde, de Luis Stuhlberger, responde por 15,6% da carteira, enquanto o Kapitalo Zeta, 12,5%.

Desde julho de 2016, quando teve início, mais de R$ 4 milhões já foram doados. Para 2019, a estimativa é que esse valor oscile entre R$ 2,5 milhões e R$ 3 milhões, segundo Tiago Fernandes, presidente do conselho de administração da VRB, a instituição filantrópica que faz a ponte entre o mercado financeiro e os projetos. O fundo acumula ganhos de 38,6%, o equivalente a 138% do CDI, segundo o site de comparação de fundos da Vérios.

“Conseguimos unir o melhor de dois mundos em um único veículo. Acreditamos que podemos fazer a diferença com uma estratégia de impacto”, afirma Fernandes.

Segundo o executivo, é possível reunir até R$ 500 milhões no fundo sem comprometer a qualidade de gestão. Ele vê com bons olhos novos fundos com propósito parecido surgirem no país. “Quanto mais fundos, melhor. Basta lembrar o tamanho do desafio que o Brasil tem do ponto de vista social”.

As decisões de alocação são feitas por um comitê de investimentos composto por nomes como o diretor do UBS Consenso, Guilherme Ferraioli, e do diretor da gestora de patrimônio Turim, Leonardo Martins. O grupo é presidido por Demosthenes Madureira, da Brasil Warrant.

O VRB também conta com um comitê consultivo que toma decisão sobre a destinação dos recursos aos projetos sociais. Fazem parte dele nomes como o do ex-diretor do Banco Central Edmar Bacha e de Anna Victoria Lemann, filha de Jorge Paulo Lemann, além do criador da ONG Viva Rio, Rubem César Fernandes, que é pai de Tiago Fernandes.

O fundo da AZ Quest Azimut, por sua vez, está disponível em plataformas como Órama, Ativa, Necton e Socopa, e aceita aplicações a partir de R$ 1 mil. Desde que foi lançada, a carteira acumula ganhos de 22,76%, em comparação a 22,38% do CDI. Com patrimônio na casa dos R$ 20 milhões, neste ano o fundo já doou cerca de R$ 100 mil.

Não se pode confundir, porém, esses investimentos com fundos de impacto social, que investem diretamente nos projetos, explica Fernanda Camargo, sócia da gestora de patrimônio Wright Capital. “O conceito de impacto é investir em empresas que tenham como objetivo gerar lucro e mudar a vida das pessoas, de maneira que isso possa ser medido”, diz. 

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